segunda-feira, 28 de março de 2011

Esforços no Pará são pela ressocialização

Igreja, susipe e parceiros unem forças para dar vida nova a presos
ORM 
Cleide Magalhães - Da Redação

Hoje, o Brasil e o Pará têm populações carcerárias inchadas. São cerca de 500 mil encarcerados e 500 mil mandados de prisão de pessoas que estão presas só no papel, pois continuam foragidas. O dado mais alarmante é que no Brasil a reincidência chega a 80%, o que significa que a cada 10 presos que saem da prisão, 7 voltam para o cárcere, revelando que a ressocialização ainda é tímida. Em muitos casos, depois que eles voltam para a cadeia e ganham as ruas, cometem crimes ainda mais graves.
Dados da Superintendência do Sistema Penitenciário do Pará (Susipe) mostram que, oficialmente, existem 6.525 vagas nas cadeias do Estado, entretanto, a população total, até a última quinta-feira, era de 11.598 presos, um excedente de 78%, somados aí os que se encontram em unidades prisionais e delegacias. Somente no Sistema Prisional há 9.976 encarcerados, sendo 5.925 na Região Metropolitana de Belém (RMB) e 4.051 no interior. Os presos em delegacias são 1.622. Presos unicamente provisórios são 4.741, sendo 6.628 os que têm pelo menos um processo provisório, podendo ter mais uma sentença ou processo provisório.

 
Cerca de 80% deles, segundo pesquisas feitas pela Diretoria de Políticas Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), cometeram crimes contra o patrimônio e estão distribuídos em 37 centros de recuperação com regimes de cumprimento de pena fechados, semiabertos e abertos. Desses centros, 19 estão na Região Metropolitana de Belém e 18 no interior do Estado. Manter um preso, hoje, no Pará, custa R$ 900,00 - mais caro que manter um estudante na escola pública. Isso sem levar em conta a infraestrutura que o sistema penitenciário demanda.
Segundo o superintendente da Susipe, o major da Polícia Militar Francisco Bernardes, a superlotação nas cadeias se deve ao fato de que a criminalidade aumentou mais do que a quantidade de prisões. Ele adiantou que trabalha na construção de mais 10 unidades no Estado. "Sabemos que não é o suficiente, mas tem reflexo no sistema. O Estado tem que garantir assistência à saúde, religiosa, alimentação, enfim, uma série de direitos que o encarcerado tem. Queremos zerar o número de presos de delegacia na RMB até o final deste ano", afirmou.
Para ajudar na ressocialização dos presos, o superintendente disse que a Susipe tem desenvolvido projetos com dois eixos básicos: educação e trabalho. "Estamos em busca de parcerias junto às instituições governamentais e não governamentais. Nossa preocupação é qualificar e ocupar a mente das pessoas que estão no cárcere para ajudar a melhorar essa realidade e fazer com que elas vejam que podem viver com o fruto do seu trabalho". Em fevereiro deste ano, 3.442 pessoas, entre presos e familiares deles, foram atendidas nos programas de reinserção social que a Susipe desenvolve em parceria com órgãos municipais, estaduais e instituições que não são públicas.
O orçamento do Sistema Penal no Estado para este ano é de R$ 100 milhões, oriundos do Tesouro do Estado. Além disso, está prevista a aplicação de R$ 30 milhões de recursos federais, do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), para a construção de unidades prisionais e o custeio de programas de reinserção social.
"Acredito na ressocialização. Encaro meu trabalho com responsabilidade, fervor e amor à profissão. Se eu e minha equipe não acreditássemos que seria possível fazer algo pelas pessoas que estão presas e, principalmente, pela sociedade que vai recebê-las de volta, não estaríamos mais aqui. Faremos o que for possível em prol da sociedade", afirmou o major Francisco Bernardes.
Religiosidade pode criar esperança
"Quando estava fora da cadeia já me envolvia com a religião e aqui me aproximei mais. Nesse momento, estou feliz porque a bênção do Senhor é a iluminação para meu caminho. Juntar-me a Ele é a coisa mais especial do mundo. Procuro sempre manter a palavra de Deus e de Jesus no meu pensamento e no meu espírito. Se eu tiver a liberdade, não vou mais abandoná-la. Lá fora eu tinha toda bênção de Jesus e não olhei para frente, olhei somente para trás e me envolvi com o álcool até vir parar aqui. Mas acredito que quando a liberdade não vem pelo amor, acontece pela dor. Vou lutar para tê-la de volta e procurar compartilhar a fé com os demais encarcerados".
O desabafo é do paraense Ailton de Araújo Lopes, 40 anos, preso há seis meses no Centro de Triagem da Marambaia, da Superintendência do Sistema Penitenciário do Pará (Susipe). Ele espera sua primeira audiência, marcada para mês que vem. Ailton e mais 15 presidiários foram batizados nas águas - dentro de uma piscina montada na área reservada para banho de sol - e se tornaram discípulos de Jesus, após recente celebração da Igreja Quadrangular.
A presença de sacerdotes e agentes religiosos tem sido frequente nas prisões paraenses. A mensagem levada aos detentos, na opinião do antropólogo Romero Ximenes, da Universidade Federal do Pará (UFPA), pode ajudá-los a criar um patamar de esperança. "Isso pode mostrar que, apesar de todos os problemas, a partir de uma vivência religiosa eles podem encontrar um caminho menos arriscado, perigoso e menos antissocial. Então, se o indivíduo convencer-se de que encontrará paz, prosperidade, tranquilidade e segurança junto a Deus, pode ser que a segurança que ele busca na obtenção violenta da riqueza ele encontre pela aproximação com Deus, por meio da prática religiosa".
Projeto batizou 170 pessoas desde 2010
Segundo a pastora Denise da Silveira, da Igreja Quadrangular, a ação faz parte do projeto "100% Liberdade", que desde outubro de 2010 já batizou 170 encarcerados. O projeto já esteve na Seccional Urbana de São Brás e, no dia 4 de abril, estará na Colônia Agrícola Heleno Fragoso. Ela afirma que o objetivo do batismo é transformar o caráter dos presos. "Com a palavra de esperança e de amor de Deus e Jesus Cristo, ajudamos para que eles sejam pessoas melhores. Só a nossa presença aqui serve de alívio para os presos porque eles sentem que nos importamos com eles. Isso facilita que eles aceitem a palavra e melhorarem suas vidas. Buscamos mostrar para eles que a prisão pode ser o início de uma nova vida e durante o batismo eles confessam seus sentimentos e decidem se tornar discípulos de Jesus. É um momento de consagração dessa decisão e retirada do pecado, levando o preso a rever sua condição de ser humano e cidadão. Nossa finalidade é estender o projeto para o maior número possível de espaços em que haja presos", disse.
Segundo o diretor interino da Susipe, Rozinaldo Barros, o projeto tem saldo positivo. "Desde que a ação veio para o centro, há cerca de um ano e meio, não tem ocorrido agressão, rebelião e motins no centro. A religião ajuda para que eles fiquem mais tranquilos e pacientes no aguardo de respostas quanto aos seus processos judiciais. Ajuda na ressocialização junto às famílias deles, que também participam. Buscamos manter o respeito e diálogo com eles. Isso é bom para nós, para eles, seus familiares e sociedade", disse. O Centro de Triagem da Marambaia abriga 119 presos, e a maioria deles ainda aguarda pelo julgamento da Justiça.
Projeto do CNJ quer dar oportunidades
O próprio Poder Judiciário do Brasil, que é quem julga os presos, reconhece que somente julgar não é a solução para o problema. Pela primeira vez na história, o Poder Judiciário brasileiro se volta também para a ressocialização. O projeto "Começar de Novo", lançado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tem como meta atender pelo menos 10% dos presos ao ano. Ele foi lançado em outubro de 2009 no Brasil e em fevereiro de 2010 no Pará.
Segundo o coordenador do projeto no Estado, juiz Cláudio Rendeiro, o projeto trata a ressocialização de forma diferenciada porque nele o preso tem, obrigatoriamente, capacitação e empregabilidade real - com bolsa de trabalho ou carteira assinada. "Se conseguirmos fazer com que essas pessoas que tiveram experiência no cárcere voltem para a sociedade tendo vínculo de emprego e renda, sem dúvida alguma, isso vai refletir diretamente na diminuição real da reincidência nos casos", disse. "Alguns internos já estão voltados para a criminalidade e vão sempre reincidir porque já incorporaram o crime, mas muitos não. Os egressos que saem do cárcere vêm toda semana na Vara de Execução Penal pedir ajuda para eles conseguirem emprego, porque as portas não se abrem para eles", pontuou.
Os Correios são parceiros do projetos, e já disponibilizaram 30 vagas de emprego para presos do regime aberto, domiciliar e semiaberto. "Temos alguns que trabalham na área de engenharia no Tribunal de Justiça e sugerimos a extensão para a área de serviços gerais. Temos hoje mais de 50 egressos ou internos no programa. Buscamos parcerias governamentais e não governamentais para empregar ou qualificar", explica Cláudio Rendeiro.

Criminalidade é um fator econômico, afirma antropólogo

Os encarcerados formam um grupo heterogêneo, mas têm características em comum: a maioria deles é jovem, tem baixa escolaridade, mora na periferia, é de família pobre e ingressou na delinquência quando era criança ou adolescente. Em geral, esse é perfil do assaltante de rua, do arrombador de casa e do assaltante de banco, criminosos que, segundo o antropólogo Romero Ximenes, estão entre os que mais incomodam a sociedade, porque agem com violência. No entanto, existem outras formas de violência sofridas pela sociedade e que nem ela percebe.
"A sociedade não percebe tanto a violência que é o salário mínimo, do qual muitas famílias subvivem porque essa é uma forma de violência institucionalizada, então elas nem percebem. O egresso, quando sai do presídio, está estigmatizado, sobretudo o autor de roubos ou furtos. Então, o mercado de trabalho, que já é insuficiente para as pessoas que não têm nenhum estigma, é muito mais fechado para quem tem um passado de delinquência. Além do fato de o desemprego ser algo crônico em toda economia de mercado", afirma. Para ele, dar aos presos acesso ao microcrédito e à formação técnica e profissional seria uma alternativa para amenizar o problema. Assim, os detentos poderiam se estabelecer como produtores autônomos, tendo mais chances de entrar no mercado.
Para Romero Ximenes, a criminalidade é um fator econômico, não moral. "A sociedade rejeita isso porque ela pensa que se aceitar o diagnóstico de que as razões da criminalidade são principalmente socioeconômicas, pode estar absolvendo o delinquente e, portanto, o crime seria tolerável. Mas não é isso. Quando se diz que as razões são socioeconômicas, se aponta para ações preventivas, evitando que o indivíduo entre na criminalidade. Então, quando se explica isso, não se quer justificar o crime, mas dizer onde está o fator gerador da população delinquente e aí poder atuar firmemente para que ele nunca se envolva na criminalidade. O que falta não é moral, mas integração socioeconômica, porque, preferencialmente, o criminoso é o jovem pobre. Esse é o nó da questão".

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